sexta-feira, 7 de abril de 2017

Arquétipos

Já disse aqui que sou madrasta e sei que a palavra soa mal a muita gente. Confesso que, não é das palavras que mais gosto, nem eles me tratam usando-a, mas vou continuar a dizê-la e hoje explico-vos porquê.

Há algum tempo, fiz um workshop sobre os "contos de fadas como meio psicoterapêutico" e se é verdade que os contos de fadas são um best-seller da primeira infância, também o é que ficam arquivados na nossa memória para lá do que possamos imaginar. Talvez por isso, umas mais e outras menos, procuremos algum dia o nosso príncipe encantado, que é sempre perfeito, e olhemos de lado para as madrastas, que são sempre más.

Os arquétipos são uma primeira imagem, uma sensação sobre algo ou alguém, que sobrevive aos tempos, numa espécie de arcaboiço coletivo. Os contos de fadas são uma fantasia, uma narrativa onde não existem tons além do preto e do branco, ou se é princesa ou bruxa, ou se é bom ou mau. Ou se é a Madrasta, ou se é a Mãe Boa.

Aqui entra o arquétipo  da Madrasta / Bruxa má. Nos contos de fada, a princesa é injustiçada, maltratada, invejada. A tragédia é uma necessidade para que possa haver história e heroína. Como sabem, quase sempre a Madrasta aparece em substituição da Mãe Boa que morre, pois não poderíamos admitir que uma mãe maltratasse ou até invejasse secretamente a beleza da filha. Aqui começa a primeira charada. A Mãe Boa morre realmente, mas não fisicamente. O que morre é a fantasia que a filha tem da mãe perfeita, imaculada, sem sentimentos negativos.

A madrasta não é só madrasta, mas também é mãe, a(s) sombra(s) que todas temos, o lado noturno da maternidade, que às vezes tem nuances de cíume da própria filha, ou apenas de cansaço por não se priorizar. Mas a madrasta simboliza mais que isso. Ela desliga o cordão umbilical, faz sobressair a heroína, dá desgosto à enteada e faz a filha sentir o sabor da amargura, para que, num acto de coragem, ela se autonomize e crie a sua história com coragem e independência. Para que encontre o amor, fora da sua mãe, no príncipe encantado. Fá-la perceber que a sombra e o mal existem, com exagero, para que não haja margem para dúvida.

Sou a mãe boa e  a madrasta má e quero que as princesas cá de casa saibam que há luz e sombra e que nós somos feitas das duas. Quero que sejam independentes, que encontrem um príncipe que também é sapo, que saibam que ele também chora e baixa a espada e não é menos corajoso por isso, se verdadeiramente as amar. Não vou ter que as abandonar ou maltratar para que saibam o que é amrgura, mas não vou contar-lhes a história da cinderela ou da bela adormecida como a ouvi, porque não quero que passem 100 anos das suas adolescências a dormir.

Sou a mãe má e a madrasta boa, vou dar-lhes a ler "mulheres que correm com os lobos", explicar-lhes que no Barba Azul a mulher se salva por ser curiosa e não o contrário. Que às vezes temos que desenterrar os ossos para polir esculturas novas de nós mesmas. Ensiná-las que podem ser mães, madrastas, bruxas e princesas no mesmo coração, que trazemos sempre connosco a virgem, a mãe, a anciã e as três fases da lua.

Que temos que desconstruir os arquétipos e dar-lhes uma nova vida, quais ceifeiras que sabem colocar as coisas no seu lugar, o do bem, o do mal e aquele onde estamos, que mistura os dois.




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