quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Parir (-te)

Na última consulta com a Isabel, ainda no fim de Julho, disse-lhe que chegarias apenas na proximidade do eclipse. Palpitei que fosse a 9 ou 11.

No dia 9, por volta das 4 da tarde, sinto sair o tampão mucoso, já acompanhada das primeiras contrações das quais só tenho certeza por ser a segunda vez. 30 minutos de espaçamento. Liguei ao papá, que estava a trabalhar, para o avisar, descansando-o quanto à necessidade de ter que chamar um colega para o substituir, porque a viagem ainda ia no inicio. Da mesma maneira, avisei a Isabel, apenas para se poder organizar.

Nesse dia, estava por casa, a embalar sabão. Continuei, ao mesmo tempo que ia deixando a casa mais aconchegante possivel para a tua chegada. Brinquei com a
mana e fui adormecê-la. As contrações começaram a ser de 15 em 15 minutos e pedi à tua avó que viesse buscar a Jasmim quando acordasse. Assim foi, por volta das 19h.

Continuei a embalar, adiantei o jantar e entretanto, pouco depois das 20h, chegou o papá. Jantei, já com pouquissimo apetite e comecei a sentir imensa vontade de tomar um banho relaxante. Para mim, era sinal de estares cada vez mais próxima. No auge do desafio, o meu corpo pede água. Mas, aceitei a proposta do teu pai para irmos até ao café. As noites anteriores tinham sido muito quentes e imaginamos que fosse agradável repetir a ida à esplanada.

Voltamos rapidamente para casa. Não porque pedi ao teu pai para contar o espaço entre contrações , que já era de 10 minutos, mas porque, afinal, estava uma noite fria e desagradável. Arrumei a cozinha e fui tomar o tão desejado banho. Tão desejado e tão relaxante que só no fim percebi que gastei a água que seria necessária para encher a piscina de parto.

As contrações estavam cada menos espaçadas, 8 minutos entre cada uma...mas queria tanto deitar-me um pouco antes de nasceres! A dor não era intensa... mas lembrei-me do parto da Jasmim e disse ao teu pai que talvez fosse melhor ligar à parteira! "Não sei.. esperamos mais um pouco, vou descansar e já te digo algo...".

Seriam quase 23h...fui para o quarto, pedi ao papá que arrumasse os sabonetes e colocasse os meus (nossos) objetos de poder em cima da mesa, porque já não estava capaz. "-vou ver a mangueira para colocar a piscina ". "Esquece isso. Liga a Isabel para vir e anda para a minha beira".

Em cinco minutos tudo mudou, começaste a colocar a tua força para a parte mais estrondosa da viagem, o mergulho mais profundo da tua vida...para a tua vida...e não menos para a minha. Olhei para o relógio, o papá tinha ligado a Isabel há 40 minutos... voltamos a ligar...estava a chegar!

Quando entrou, olhou-me nos olhos...aquela sensação de deja vu..."vai ser agora"... "achas que demora?"... "acho que está quase". Não sei se algum dia a Isabel vai saber o conforto que me transmitiu só com o olhar e a voz. Uma voz que vai ficar marcada em mim como se eu estivesse ali de novo. "Podes vir já" - dizia ela à Sónia, que entretanto chegou. E ali estava eu, outra vez, com a minha equipa de sonho, o meu amor mais-que-sonho e uma nova respiração, um novo coração, a minutos de se colar ao meu... um delicioso sonho novo.

Foi dificil.Pensei que não conseguia. Tive medo. "E então ?" - disse-me a Isabel. É verdade...e então? O que tem ter medo...o que tem sentir todas as emoções que guardas no coração num momento só. Só não...TÃO. um momento TÃO. Sabia o que havia a fazer. Ias nascer. Dentro ou fora de água, tu querias mergulhar e eu ia ajudar-te. Iamos fazer juntas. E fizemos. A dor vinha, eu aceitava-a. Ia-se e eu respirava. Confiei em mim. Levantei-me, porque deitada aliviava mas ia ser mais difícil. Deixei fluir. Confiei no meu instinto e coloquei-me de joelhos, mas ao contrário da gravidade.

Puxei até sentir que devia abrandar. Retive o teu puxo quantas vezes senti necessário. Senti o teu cabelo com a minha mão e acariciei-te a cabeça, quando ainda pertencias aos dois mundos. Retive-te ainda mais um pouco, para que a tua chegada fosse doce e suave. Confiei em mim, mas sobretudo em ti! O plano era teu e sabia que és uma guerreira.

E nasceste tu, em menos de uma hora. Já  dia 10. Com o braço junto à cabeça, o cordão à volta do pescoço e a vontade de aterrares nos meus braços. Peguei-te e encostei-te ao meu peito com toda a força de um Amor que é mais do que para a vida toda.

Bem vinda minha Violeta. Amo-te infinitamente.