quarta-feira, 12 de julho de 2017

Novas Domésticas III - Joana Fartaria (Parte 3)

Trazemos o ultimo post sobre a Joana Fartaria. Nele, abordamos mais profundamente a questão da maternidade como ocupação a tempo inteiro, a amamentação, o parto natural,a sua página e os seus projetos para o futuro:

És atriz e encenadora, mas são muitos mais os papéis que desempenhas na vida. Neste momento, és mãe a tempo inteiro. Para ti, quais são as vantagens desta escolha, que maiores lições ficam desta experiência, para ti como para o teu filho?

Sim... bom... eu já nem sei se sou isso tudo... actriz, ou encenadora. Acredito que tudo o que "somos" tem de vir de uma prática, não é? Eu há uns tempos que não pratico algumas coisas, o último trabalho que fiz como actriz, por exemplo, foi um filme, em Maputo, há sete anos, com o José Carlos de Oliveira. Por isso talvez seja mais "fui actriz". Mas... é verdade que mais que uma actividade é uma paixão, que me vive nos ossos! 😀 por isso... talvez ainda seja, "actriz"!

Mas sim, há quatro anos que sou mãe, e decidi que seria isso em exclusivo, durante estes primeiros anos de vida do meu filho.
Minto. Não é bem assim...Durante muitos anos adiei aliás esta escolha de ser mãe (e cheguei a pensar que "não era para mim"), e se quiser ser verdadeira o que sei agora é que não havia outro modo de o fazer. Havia? Talvez para outra pessoa, mas para mim ser mãe a 100% não é uma escolha, é uma limitação... sabia lá eu fazer isto de outra forma!! Nem pensar!

A maior lição que tenho apreendido neste estar com o meu filho é sem dúvida a do Tempo, que se prende com a do Momento: Viver o Momento tal como ele é.
Isto é muito mais desafiante do que parece! Mas no fundo é quase ridículo que não vivamos assim, no Agora. Não é mesmo estranho que estejamos apoiados constantemente no que já aconteceu ou no que pode eventualmente vir a passar-se? De loucos! Com o meu filho experiencio, mesmo, o valor do Agora.

Como? Em tudo, por exemplo... No modo como ele se envolve verdadeiramente em tudo o que faz, e na forma como pede o mesmo de mim; no seu viver sem pressa; no seu olhar sempre deslumbrado; na sua capacidade de perdoar, de nunca desistir, de ver sempre de outro modo um desafio... para ele tudo é super intenso, mas ao mesmo tempo leve e passageiro. Que lição! Ou seja, tudo é tratado com a densidade de um drama fatal - tantaaaas vezes por dia... não é? Uff, vida de Mãe! - mas esta intensidade é a que dedicamos também a uma celebração - sim, tantos os dias em que pede parabéns, velas, e balões ao pequeno almoço! - mas no momento seguinte tudo passou. Tudo. Há tanto entusiasmo a montar uma torre de pedras, como a deita-la a baixo, mesmo que tenha demorado uma hora a construir! - Sou só eu que fico com pena? Ele? Nenhuma. "Fazemos outra!!" - Para ele esta é a única maneira de viver, a cada momento só esse momento importa.

No fundo é a tal meditação, que eu dei duas voltas ao mundo a procurar, a tal que achava que vivia lá fora, e que me foi ensinada por este ser... tão pequenino, e que eu mesma pari!! Deixa soltar um "Uau", uaaaaaauuuuuuuuuu!! 😀

Por isso digo muitas vezes "dei à luz o meu mestre".

Tem sido uma aventura incrível, e não porque viva em modo Felicidade plena constante - por vezes ser mãe a tempo inteiro é mesmo infernal - mas antes porque é das experiências mais RICAS que já vivi - isso sem qualquer dúvida! Aprendo todos os dias, sem excepção (como todos sabem neste trabalho não há folgas) coisas sobre mim, e nem todas são agradáveis... aprendo que tenho limites, por vezes mais cedo do que gostaria; que tenho raivas; que às vezes grito; que muitas noites sem dormir me mudam a personalidade; que nem sempre gosto de ser tocada; que ouvir "Mamã" não é sempre fofinho; que cozinhar por vezes é um fardo; que os desenhos animados podem ser uma grande seca... Ahahahahah! Mas aprendo também o que é Amar, de verdade, perdoar, sem mágoa, a acreditar sempre de novo... e sei que aqui todas nós, mães, nos podemos rever.
Estar todos os dias com o meu filho, amamentar até aos quatro anos e meio (e não sei até quando!), dormir junto, cozinhar juntos... não ter escolinha nem babysitter... é uma opção. Uma escolha que temos feito, todos os dias, os dois, eu e o meu filho (e o pai dele também, claro! Neste caso esta escolha consciente, que fizemos como família, foi feita também graças à sua generosidade em ir trabalhar fora de casa, e trazer o dinheiro - que não acho que seja sempre necessário, nem acredito que seja um limitador real, mas que é necessário no modo de vida que escolhemos. Grata a ele também por possibilitar uma experiência de maternidade assim). É uma escolha que tem feito sentido, e por isso é assim, e não uma coisa definida a priori, e cumprida porque "é assim que se faz". Eu não acho que ser mãe seja isto, não. Este é o modo de viver a maternidade que tem feito sentido para nós, quando deixar de fazer sentido... mudará! - Sinto aliás que está para mudar, o meu filho começou a falar em escola por exemplo, que quer ir (e até já escolheu uma), por isso, novas aventuras se avizinham! E que bom que é!

                   

Tiveste um diário sobre como é amamentar um filho pelo mundo. Mesmo quando somos determinadas e não está em causa deixarmos de fazer o que queremos e em que acreditamos, há alturas em que nos sentimos mais ou menos desconfortáveis para fazer. Para ti, onde foi mais complicado e onde foi mais descomplicado amamentar o teu filho?

Que engraçado, ao ler esta pergunta acaba de acontecer uma coisa curiosa dentro de mim, comecei a pensar nisso, "Como me senti, a amamentar em público?" e em retrospectiva vejo agora que sempre me senti observada quando amamentava o meu filho. Sempre. Não recebi sempre comentários - fossem positivos ou jocosos - mas, olhares? Isso recebi sempre.


Com excepção... com excepção dos últimos dois anos. Desde que o meu filho fez dois anos que não me sinto observada quando amamento. Estás surpreendida? Sim, eu também!

Sim, seria de esperar muito mais espanto e/ ou crítica à imagem de um menino na maminha, que um bebé! Mas sabes qual é a verdade... sou eu que já não vejo esses olhares, nem ouço qualquer crítica. O que mudou? Eu! A minha confiança como mãe (como mulher, como pessoa!), a minha confiança a amamentar é plena, e não há olhar que me incomode.

Aliás, os comentários, conselhos, e opiniões não solicitadas, comigo, pararam ao um ano de idade mais ou menos, ou ano e meio talvez. O que senti foi que à medida que a minha confiança crescia as intromissões diminuíam. Até desaparecerem por completo. Posso dizer orgulhosa que no último ano não ouvi um único comentário desagradável sobre o facto de amamentar um matulao de quatro anos de idade... a Verdade é que eu e o meu filho somos agora activistas experientes e completamente descontraídos no nosso viver. Isso ajuda!

Mas sim... lembro-me de várias situações desconfortáveis! Várias... Eu vivia na Ásia - entre Hong Kong e a Índia - e a relação com o corpo é em termos culturais muito diferente, mas fui fazendo conquistas (que, lá está, só precisam de acontecer dentro de nós). De início até o pai do meu filho se sentia muito constrangido com o nosso amamentar em público, embora apoiasse absolutamente esta opção, gostava que ela não implicasse a "exposição do meu corpo". Com o tempo... foi-se habituando 😜eu não cedi um milímetro.

Na Índia, mesmo em contexto familiar, mesmo entre mulheres, era esperado de mim que fosse amamentar no quarto, e de porta fechada - ora todas sabemos que a determinada altura da vida de um bebé isso significaria estar todo o dia fechada no quarto, depois noutra fase ir ao quarto de cinco em cinco minutos e ficar apenas três! As necessidades do bebé mudam tanto, o meu princípio foi sempre segui-las! Em todos os sítios onde fui, respeitei antes de mais as necessidades do meu filho, e as minhas.

Dei de mamar em Portugal, em Hong Kong, em Macau, na Índia, em Singapura, no Dubai, na Tailândia, no Bali e nos Estados Unidos. Em táxis, barcos, autocarros e aviões. Em restaurantes, na rua, nos templos, no mercado... em todo o lado.
Em todos os sítios o fiz com naturalidade, em qualquer lugar, a qualquer hora, e sem "paninhos" a cobrir (como todas sabem muito cedo nem isso é uma opção; o bebé afasta o pano com perícia!), só tive problemas reais no Dubai, único sítio que visitei onde é proibido por lei amamentar em público - e felizmente estava só em trânsito no aeroporto, onde fiquei um dia e uma noite - as dificuldades que enfrentei por ter que estar sempre a fugir para as zonas de fraldario e amamentação (só havia uma no aeroporto) foram simplesmente horríveis!! Como podem criar tamanha dificuldade e constrangimento para as famílias? Fui informada por uma hospedeira de que era proibido, e imediatamente fiz a minha pesquisa na net (o site da la leche league é maravilhoso nestas alturas -http://www.llli.org) li, entre outros, um artigo chocante, porque aconselhava a amamentação até ao um ano de idade, mas a proibia em público... podemos imaginar todas a limitações logo assim criadas para uma mãe?! Uff.
Mas mesmo na Índia, e em Hong Kong, onde estava em contexto familiar, aproveitei para deixar sempre que a minha necessidade fosse um modo de activismo, deixando suavemente passar a mensagem de que a amamentação é natural!
Foi surpresa para tantas... posso dizer que vivi lá cinco anos e nunca (!) vi uma mulher a amamentar em público... para mim o chocante é isto!

                   

O teu filho nasceu na água, no Hospital de Setúbal. Foste uma das propulsoras do movimento Mães d' Água. Se essa hipótese deixou de ser possível por algum tempo, há alguns dias, a causa ganhou novo alento no parlamento, mas estarão os serviços preparados para essa realidade? O que dirias aos profissionais que irão receber mães que desejam um parto natural, para que se tornem verdadeiros aliados de um momento que pode ser tão mágico?

Confiar. É necessária maior confiança, na mulher, no bebé, no parto. Maior confiança no milagre, e sim, no poder da água! Mas se poder resumir tudo a uma coisa escolho:

"Parto é Amor", é isso, assim, simples! E se parto é Amor, todo o trato com a mulher que vai parir, que seja amoroso, é bom. Acreditar nisto é necessário.

Para que um parto se desenrole como a mãe Natureza manda é importante haver esse espaço amoroso, onde a Occitocina (a hormona do Amor, aliás! A que naturalmente produzimos quando nos apaixonamos, quando fazemos amor, quando "orgasmamos", quando parimos, quando amamentamos) possa fluir. Há coisas que não ajudam, há mil técnicas e livros que falam das que não ajudam, assim como das que ajudam, mas na verdade é tão simples, é fazer menos, e esperar mais.
A verdade é que o parto é mistério, é zona Sagrada, sim. Como temos de tratar o parto? Assim mesmo, com cuidado, amor, devoção.

Eu pari na água, e só posso dizer que foi transformador! Sou uma das fundadoras das Mães d'água mas não digo que todas as mulheres têm de parir na água, não. Mas sim que todas merecem ter essa opção.
Acima de tudo, o que me apaixona ainda mais do que ter a água presente no parto é ter acesso a esta capacidade transformadora que o parto tem.

Nas últimas semanas da minha gravidez repetia para mim mesma algo que li já não sei onde "as mesmas coisas que ajudaram o bebé a entrar, ajudam-no a sair", não é maravilhoso? Não faz todo o sentido? Ora há mil coisas que são "procedimento normal" num parto que não levariam ninguém a fazer bebés! 😜 inevitavelmente não ajudam o desenrolar natural do parto. Perceber isto, com simplicidade, pode mudar muitas pessoas.

Mas para além disso gostava de referir que claro que, o parto na água é uma metodologia, e como tal tem suas especificidades. Temos muita sorte de ter uma "madrinha" incrível, a maravilhosa Barbara Harper, que veio já a Portugal variadissimas vezes, dar formação para o parto na água para profissionais de saúde (médicos e enfermeiros), para Doulas, para todas as pessoas interessadas em saber mais! É essencial que as equipas também estejam à vontade, e estejam seguras deste modo de facilitar e dar apoio ao parto.
Sabes quais são as minhas coisas favoritas num parto na água? O relaxamento que ela nos proporciona. Tão simples, não é? Mas é assim mesmo, a água morna relaxa, e um corpo relaxado é uma mente relaxada (e vive versa), a mãe relaxa, o bebé relaxa... até a equipa relaxa... é verdade!

                 

Tens uma página facebook onde partilhas as tuas reflexões. Queres falar-nos sobre a "Ommmmmammmma"? Vais retomar as aulas de yôga brevemente e és doula, é possível que quem esteja interessado obtenha mais informações ou te contacte através da página?

A minha página é uma espécie de "diário de maternidade", uma coisa que aliás aconselho todas as mulheres a fazer! Pode ser partilhado em formato público ou guardado em caderninhos, pode ser em Mails enviados para um endereço que será um dia dado ao filho (adoro esta ideia!) mas escrevam! É poderosíssima a capacidade terapêutica que tem escrever sobre uma "birra", por exemplo (seja nossa ou do bebé😜), sobre uma noite sem dormir, sobre o nosso parto, a nossa vivência da amamentação, as lições que aprendemos, a nossa depressao pôs-parto (ou nossos "baby blues"), os nossos desafios como casal (já viste todos os temas de que podemos falar?!). Para mim escrever sobre o que me acontece, e sobre o que penso, sempre foi um processo quase automático, que me acompanha desde criança (desde os diários em motivos florais, com cadeado na capa, tiveste um?!). Escrever é deixar sair cá para fora, e faz parte do processo de escrita ver com outros olhos o nosso Eu e a nossa Vida - que vem dessa necessidade de comunicar algo ao Outro - isso é poderoso!

Depois disso, partilhar o que escrevo é outro passo, e é na partilha que nós libertamos ainda mais o que nos incomoda, preocupa, choca... e também que celebramos o que nos entusiasma, nos faz sentir orgulhosas, nos comove. No modelo de família em que a maioria de nós vive - família nuclear de três ou quatro pessoas, que vive longe dos pais, avós, tios, etc. No fundo longe de uma comunidade - partilhar neste modo, com uma página na net, um blogue (como o teu!), ou num site, pode mesmo fazer toda a diferença numa fase de pos-parto por exemplo, onde a nossa disponibilidade para sair e conviver "ao vivo" pode estar limitada.

O meu filho nasceu em Portugal mas eu vivia em Hong Kong, onde me sentia muito sozinha, partilhar foi muito necessário para mim - mas acredito que se estivesse cá também o sentiria - depois do parto há mesmo uma zona de solidão difícil de por em palavras... mas podemos tentar! - Seja como for: partilhar é essencial! Eu acredito!

A Ommmmmmamma veio dessa necessidade - e chama-se assim em brincadeira com a ideia de que o mantra mais antigo do mundo, o som Om, possa ser transformado num mantra à mãe 😊
A minha página não quer ser sobre uma espécie de visão Zen da maternidade, mas confesso que de início era isso: uma visão. Agora é... é o que eu Sou, como mãe, e isso - felizmente! - vai sempre mudando! O que gosto é que seja uma espécie de "inspiradora de mães" 😊sim, que inspire! Isso é tão necessário nesta vida, não é? ❤️
Eu quero voltar a dar aulas de yoga, sim, e também fazer trabalho como doula, talvez - regressei a Portugal há apenas um ano, depois de viver 10 anos fora, ainda estou a sentir os caminhos... sem pressa para chegar - e claro, podem contactar-me por lá se sentirem assim.

Querida Anne, és linda, sabes? Grata por este espaço para falar de mim, de nós, dos nossos filhos... gratidão! ♥️ - (Olha 11:11)

Grata eu, Querida Joana, por estes dias passados contigo, nas perguntas que te fiz, também me questionei e nas tuas respostas, também encontrei sentido. A tua sabedoria imbuída de simplicidade lembra que menos é mais e o amor é tudo!

                  



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