segunda-feira, 10 de julho de 2017

Novas Domésticas III - Joana Fartaria (parte 2)

Já falei um pouco sobre ti e o que fazes. Queres dizer-nos, pela tua justiça, quem é a Joana? 

Aaaaaaaaah aquela pergunta que às vezes dá medo! Como se continua uma frase que começa por "Eu Sou"? Não sei. Não sei bem como me definir. E sabes que isso é uma questão super importante: como nos definimos a nós mesmas? É uma espécie de marketing do Eu, não é? :-D E nós, mulheres, muitas vezes, como um artista com medo da crítica e avesso a lisonjas fugimos disso... deixamos que seja o trabalho, ou as nossas actividades, a definir-nos: ser actriz (já fui); ser viajante (sou sempre); ser escritora (gosto de pensar que sou); ser yogi (para mim um modo de vida, sem dúvida!)... ou... Deixamos que sejam as relações a definir-nos: sou mulher de (já não sou); sou filha de (até uma certa idade dizemos isso não é? Engraçado!); sou mãe... aaaah o Ser Mãe tem dentro tanta coisa que me aconteceu mesmo essa magia, depois de ser mãe passei a começar todas as apresentações assim: Sou Mãe. Aconteceu mesmo sentir que tudo, ao pé disso, era pequenino e... vago, sabes? Como se ser mãe fosse a coisa mais definida, firme, e constante que tivesse sido até agora. (E sabes? acho que é verdade! :-D) Mas não me identifico também com esse "Sou Mãe"... olha, não sei! Sou Deusa, sou Bruxa, sou Maga, sou Luz. Olha, sou tu! 
Eu Sou Tu.
Nesta escrita no teu blogue na verdade será assim, eu, pelos teus olhos, eu serei o que tu vês em mim. Por isso acredito que sim: Eu Sou Tu.



Não sei se concordas comigo, mas a infância encerra os maiores segredos da nossa essência. Uma essência que, muitas vezes, se tolda e se confunde numa sociedade rígida e complexa como a nossa. 
Para ti, Joana, que já conheceste tantos lugares do mundo, que sabes quanto é importante conhecermos a nossa essência e como mãe que quer passar esse ensinamento, qual dos países por onde passaste é, para ti, o melhor lugar para se crescer, em verdade e liberdade para ser?


Esta questão é muito bonita, por encerrar nela uma esperança de que haja mesmo esse "paraíso do Eu", esse oásis espiritual onde podemos ser nós, de verdade, e em total liberdade. E em tempos cheguei a pensar que tinha resposta para ela... mas não tenho. Não há paraísos de verdade e liberdade, delimitados por fronteiras e com nomes de países. Não há. Eu não encontrei. Mas encontrei, a minha verdade e a minha liberdade em cada país que visitei. 
Não pelo que me era dado, mas pelo que conquistei, antes de mais para mim mesma. Percebes? Claro que tinha esse sonho, essa projecção de que na Índia ia encontrar a espiritualidade, por exemplo. Mas não foi assim. A espiritualidade não vive na Índia, nem é mais acessível depois de uma pooja (ritual hindu), ela vive dentro de nós. 
Claro que há experiências que são facilitadoras de determinados estados e crescimentos, acredito que há. Mas são isso mesmo, veículo. Quem faz a viagem - e ela é interior - és sempre tu. E sozinha.
Sim... também sinto que a infância guarda algumas chaves - e ser mãe é viver esse processo pelo menos duas vezes, pela minha própria infância, e pela do meu filho, que traz aliás novos "insights" para o que eu própria vivi, também sentiste isso? - onde há possibilidade de uma infância mais verdadeira e em maior liberdade? Não sei. Onde vivem mais pessoas, mais felizes? Não sei. 
Podia falar das "crianças felizes" que vi por aí, e pensar que os seus contextos encerram algum "segredo", ou uma "chave" qualquer, mas não é tão linear assim. Em cada cultura e em cada zona do mundo encontro tanta coisa... é fácil catalogar, é muito fácil generalizarmos e podia dizer que é África, onde as crianças parecem sempre sorrir, apesar de todas as dificuldades; podia ser a Tailândia, onde senti a espiritualidade tão presente no dia a dia de cada pessoa; ou o Bali, onde a ligação com a natureza parece tão pura; ou até Hong Kong, onde é tão seguro viver... tudo depende. Depende sempre do que procuramos, de como estamos dispostos a procurar... e da nossa abertura para aprender, sempre, com o que encontramos. Quando estamos acordados tudo pode ser nosso mestre, sabes? Tanto o sacerdote no templo como o caixa no supermercado. É igual. O que tento passar para o meu filho sobre verdade e liberdade? Na realidade nada. Deixo que seja ele a falar-me dos seus valores, tentando estar aberta para que possam ser diferentes dos meus - provavelmente são - respeitando-os, e respeitando até que aparentemente não tenha nenhuns... os nossos filhos são nossos mestres, e o meu - que já viajou um pouco por aí - tem mostrando bem como a sabedoria que traz lá dentro é quase independente do onde está, o que faz, como faz. Ele É. Mais ou menos como o gato que se senta e fica, tão cheio na sua quietude, o meu filho é. E eu aprendo a Ser, com Ele. Há desafio maior?


Ao longo da história e de uma forma mais generalista, também a mulher tem sido ao mesmo tempo vítima e auto-agressora, numa clivagem entre a inferiorização para corresponder a expectativas ou o registo exacerbado para se igualar ao homem, chegando a confundir-se com ele. Ambas conduzem a uma supressão da identidade selvagem e intrínseca à mulher. 
Para ti, Joana, qual é o lugar do mundo que mais oferece oportunidade à mulher de o ser em pleno, sem amarras?

Ui! Questão super complexa! :-D antes de mais... bom... Ser Mulher, o que é? Podemos parar logo aqui e escrever vários livros sobre o que significa este "Ser"! A "identidade selvagem e intrínseca" da mulher (e aliás a do homem também, acredito) será sempre inevitavelmente abalada por todos os lugares - lugares no sentido de países, sistemas, organizações... tudo o que tenha regras, leis, princípios, definições do certo e do errado pode - para mim - correr o risco de "matar" esse Ser, essa Essência, essa Verdade/ Liberdade que vive no Ser Mulher. As boas notícias é que essa Mulher Selvagem (no sentido que o livro Mulheres que Correm com os Lobos fala) ele vive dentro de cada uma de nós, e vive, cresce, desenvolve, floresce, sempre que seja alimentada! Sempre. Eu acredito nisso e temos provas, tanto na História longínqua como no nosso círculo próximo de amizades ou de conhecimentos - temos sempre provas de mulheres que contra todo o constrangimento, homem/ poder masculino, limitação econômica, poder político ou religioso se manifestaram, agiram, viveram em ligação pura e corajosa com o seu Eu (e os exemplos são tantos que é mesmo uma honra ser Mulher, não é?) A mulher não precisa de ser presenteada com oportunidades - não devia ser... - as oportunidades existem, criam-se, sem necessidade de pedir tratamento especial ou espaço para Ser. 
Eu gosto muito de me inspirar com o que tenho ao lado, por vezes procuramos as respostas no passado longínquo ou nas terras distantes, mas na nossa vida, quantas mulheres conhecemos que são esse "selvagem" de que nos orgulhamos tanto? Tantas, não é? Sabes que só depois de sair de onde estava porque "precisava de viajar", ou seja, só depois de procurar lá fora o que sentia que faltava cá dentro, me apercebi que uma das mais poderosas lições é: faz o que podes, onde estás, com o que tens. E começa já!
Para mim isto é verdadeiramente libertador! O resto? São estatísticas. Deve haver estudos sobre onde há mulheres com mais sucesso (o que quer que isso queira dizer para quem fez o estudo); com mais mulheres felizes (e que é isso de Felicidade?); ou com mais mulheres notáveis, transgressoras, inspiradoras... o que quiseres. Mas tudo isso são rótulos. 
Para ti? Consegues nomear cinco, oito, dez, cinquenta... mulheres selvagens, na tua vida? Sim? Óptimo! Eu estou contigo, acredito que há, vejo-as, reconheço-as como Irmãs, honro-as, e sou grata todos os dias por as ter na minha vida. Não tens? Não consegues nomear? Procura! Elas existem! Tanto aqui na minha praceta onde moro, como na rua das pirâmides no Egipto. Por todo o lado.


Enquanto mulheres como enquanto seres humanos, acredito que nos encontramos em constante construção e que ela pode ser facilitada com presença e consciência. Contudo, essa presença representa mais dificuldade para alguns. Que conselhos lhes darias para não desistirem ainda antes de tentar?


Presença, e Consciência... são palavras Grandes, que podem conter muito dentro. hummmmm... - um tempo para pensar - vou falar do que são (ou do que podem ser, há sempre tantas possibilidades!) para mim.
... Sabes que nunca tinha pensado nisso assim, mas para mim a Consciência é uma espécie do que alguns chamam de "Deus", uma experiência do divino, sim, do que está para além do humano (no sentido do limite do corpo físico). E a Presença... a presença é uma espécie da prática que nos permite estar em contacto com esse divino. 
Como chegar ao estado de consciência? Praticando o estado de presença.
Simples não é? :-)
E, visto deste modo, a presença não é algo que precisemos de alcançar, nem a consciência algo secreto, que vive a fugir de nós :-) ambos são estados. Estados onde vivemos. São aliás, acredito, o nosso estado natural. Voltando a olhar o gato que se senta e é, e a criança que se comporta de modo muito semelhante, nenhum parece procurar nada. Eles já são tudo. 
Praticar o presente, para mim, é aceitar esse tudo que eu sou, sem medo, sem dúvida, sem (muito importante!) julgamento. O Meu Eu, É. Não há nada a atingir, Eu Sou. 
Sim, há muito trabalho de "desenvolvimento pessoal" que pode ser feito, muito curso, muito yoga, muita meditação - tudo o que te chame e te possa dar prazer pode ser válido. Mas mais uma vez não é fora de mim que posso encontrar esta verdade - e não precisa de ser verdade para toda a vida, nem para toda a gente - ela vive dentro de mim. Como chegar lá...? Há muitas ferramentas que nos podem ajudar, e para mim devemos praticar a que nos der mais prazer, maior Felicidade, mais satisfação. Não há mais nenhum segredo.




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